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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Onde estavas, Zé, no 25 de Abril?

A dormir.
Era uma da tarde e acordou-me a minha mulher, tínhamos casado um mês antes, para me dizer que, segundo boato ouvido na padaria, havia um golpe de estado na capital. "Pois sim, deixa-me  mas é dormir", devo ter respondido, com o sono de pedra dos vinte anos, e voltei a adormecer, não sobre fofo colchão, mas no chão, que cama não tínhamos. 
Naquela semana fazia na fábrica o turno da meia noite às oito e precisava desesperadamente de dormir. Também não tínhamos televisão nem rádio. Nem mobília nenhuma, exceptuando um mocho comprado no mercado.
Vivia na Marinha Grande e trabalhava (operário de plásticos) em Leiria. Motivos: estão em Do lacrau e da sua picada. Chego à cidade ainda de dia, procuro sinais de agitação, nada. Na Praça Rodrigues Lobo encontro o Luís Marques, também ele na clandestinidade, que não via há coisa de um ano. A notícia do golpe de estado trouxera-o até à claridade. Tal como eu, não acreditava que viessem aí grandes mudanças: "Coisas do Spínola e dos spinolistas", terá dito, e eu acreditei. E fui trabalhar, porque o patrão também não tinha ouvido falar em revolução.
Muita coisa mudou. Logo nos dias seguintes, aqueles que até então nos insultavam quando nos manifestávamos nas ruas contra a guerra colonial e o fascismo, que telefonavam à polícia quando pela calada da noite pintávamos paredes, que nos denunciavam como perigosos agitadores comunistas ao encontrarem propaganda nos quartos alugados, reconverteram-se ao vermelho, mas só no cravo na lapela, e muitos tornaram-se guardiães do regime.
Apesar deles, do dia de trabalho para a nação, do fim da luta de classes que apregoavam, o país mudou. Tanto, e para melhor, que está hoje irreconhecível. 
Aos que fizeram a revolução, agradeço a criação de condições para acabar com a ditadura, a sua polícia política, a guerra colonial, para democratizar e desenvolver. Embora, não poucas vezes, tal ter sido conseguido contra eles -- e em dia de festa não é bonito lembrar tais coisas. 
Quanto ao povo, esse está nas praias, aposto, a festejar feriado a que dá tanta importância como ao 5 de Outubro, ao 1 de Dezembro, à Nossa Senhora Não-Sei-de-Quê...

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