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terça-feira, 14 de abril de 2015

Ó velhice, quem te não conhecesse!

1. Tenho a sensação de que a valorização da longevidade, seja ela de Manoel de Oliveira ou de Mário Soares ou de um qualquer centenário de Azeites de Baixo se deve à moda dos recordes. Os conhecidos, os familiares, a aldeia, a vila, a cidade, toda a gente se orgulha da provecta idade do velho, mas a quantos importa o sofrimento que a idade lhe traz, quantos o partilham? 
A minha avó materna dizia: gosto muito de por cá andar. Mas só peço a Deus que me não deixe cair numa cama... Pois caiu. Disse eu então, repito hoje, não merecia agonizar dois anos antes que a morte a levasse. Teria sido melhor para ela, para todos nós, se o AVC que a acamou tivesse sido fatal. 
Não se escolhe, ou como diz Aureliano Buendia em Cem Anos de Solidão, não se morre quando se quer, morre-se quando se pode.
Ó velhice, quem te não conhecesse! 
2. Alegra-me ver vizinha quase centenária a descer a rua, lentamente, apoiada a bengala. Noto que tem as pernas negras. Queda, penso eu.
-- Tia Maria, que é isso nas suas pernas? Caiu?
Não, explica. São veias varicosas, derrames. Há anos que aguarda por cirurgia. Em vão.
-- Pois, na sua idade não estão para isso. Quantos anos tem?
Ri. Tantos que já nem se lembra, brinca.
E eu, para animar: -- Ainda lhe falta muito para chegar à idade da sua mãe…
-- Ah, não quero… 
-- A sua mãe morreu aos cento e três…
Corrige. Cento e quatro. Faltam-lhe nove. Mas, insiste, não quer. E conta-me o seu receio: o de se ver presa a cama, obrigada a viver para dar trabalho.
-- Da minha idade, restam dois, e acrescenta os nomes dos velhotes. 
-- Ainda andam por aí?
-- Não. Estão ambos acamados há anos. Para quê viver assim?
Não tenho resposta.

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