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domingo, 27 de outubro de 2013

Um amor inventado (5)

Mais para a noite, já com a sala de refeições limpa e arrumada, a loiça lavada e a cozinha em ordem para a lida da madrugada seguinte, o João e a Berta poderão namorar um pouco, na sala, nada de poucas-vergonhas, chegam as que já fizeram, pensa a patroa, momentaneamente esquecida das suas enquanto jovem... Sentados em frente um ao outro, conversam em voz baixa, mas quando do hall que serve de recepção e de escritório chega o tilintar das moedas retiradas da caixa registadora, se ouve o ranger de ferrolhos que trancam portas e janelas, certos de que os donos da pensão estão ocupados e afastados, perdem compostura e atiram-se desesperadamente um ao outro, ardendo ambos no fogo do desejo, as bocas coladas, a Berta de olhos fechados, os do João arregalados, e as mãos dele, talvez por estarem desocupadas e quererem também elas participar, tacteiam em vão procurando abertura para a pele dos seios da Berta, e ela, receando ser apanhada descomposta, afasta-lhas, mas teimosas, insidiosas, porfiam por cima da roupa, talvez para confirmarem se ainda se ajustam perfeitamente, feitas umas para as outras, dissera a Berta naquela noite de Julho já tão distante... Ah, mas tendo as mãos encontrado passagem e posto a nu um seio, a boca toma a dianteira, ardorosamente, apaixonadamente, já a Berta ruge, novamente em surdina, e tem de o afastar a contragosto — uma mulher como ela não é de ferro, e certas coisas são como o vinho, se não é para fazer efeito mais vale afastar o cálice...

Ouvem porta que bate ao fechar, saltos altos martelam no corredor, advertências inequívocas de que lá vem a patroa, ruidosa para evitar surpresas, para não ver o que não quer — então teria de dizer o que é seu dever mas não seu prazer — e encontra-os decentemente sentados frente a frente, apenas as mãos enlaçadas mostram que se trata de um par de namorados, respeitável, constata com satisfação dona Noémia, que não admite poucas vergonhas em casa sua, embora no seu íntimo saiba que rapaz tão bem comportado, se existe, não servirá nunca para mulher que se preze — há que guardar as aparências, mas não as ilusões. Chega o marido, boceja, são horas de deitar, amanhã, domingo, será dia de trabalho como os outros, sete dias tem a semana, cada qual de labuta, só o Senhor, porque é Deus Todo-Poderoso, pôde descansar num deles...

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