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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Desconsolos e consolações

Gosto do frio, da chuva, do vento na face, até de uma boa trovoada, contanto que não esteja demasiado próxima -- por cima da minha casa, como é frequente -- fazendo-me jantar tristemente à luz de velas atum enlatado, pois até o fogão é eléctrico. Gosto das invernias, mesmo temporãs como as de hoje, as maçãs na despensa, o aconchego da lareira e um livro (ebook, para ser mais rigoroso), depois na cama o peso dos cobertores, que ninguém me convence a substituir por edredons, e eu a ler até os olhos se fecharem...
Invernias que anunciam o Todos-os Santos, o São Martinho, o Natal, o Ano Novo -- bons pretextos para conviver, comer, beber, preguiçar e escrever.
O que detesto são as gripes que o mau tempo traz e me perseguem desde que me conheço, as quais em novo me deixavam inválido como um velho e agora -- bom, deitam-me abaixo na mesma, ranhoso, nariz ora entupido ora a pingar, atacado por dores musculares e ósseas, impedido de dormir por tosse convulsiva quase tão dolorosa como a tosse convulsa que me ia matando em miúdo, nesse tempo em que os medicamentos eram o Melhoral, pinceladas nas costas com tintura de iodo, o Vick Vaporub -- e apenas se chamava o médico um pouco antes do padre que ia ministrar a Extrema-Unção...
Contas feitas, no meu razão os créditos das invernias têm excedido largamente os respectivos débitos. Hoje, por exemplo, como a foto sugere:
broas em honra de todos os santos, que são por igual merecedores, mesmo que entretanto algum deles tenha sido des-santificado. Café contra a ameaça de dor de cabeça, uma gota de bagaço da época para desinfectar germes e lavar o açúcar das broas evitando que doa algum dente.
E sim, alegra-me saber que há por aí quem concorde comigo quanto ao saldo dos desconsolos e consolações e o diga muito melhor do que eu, como, por exemplo, esta minha personagem:
— Fidalgo, ponde os olhos em mim, a quem não faltariam motivos de tristeza, e aqui me vedes alegre como passarinho. Digo-vos, a vós que haveis mais e melhor conhecimento do mundo, que percorrestes esta Europa e vistes coisas por nós nem sequer sonhadas: os religiosos mentem, não estamos neste mundo para sofrer, antes para viver a vida o melhor que pudermos. E o que é que a torna deleitosa? Pois dir-vos-ei: o bem comer, que sacia os ventres e fortifica os corpos, o melhor beber, que afasta as tristezas, alegra os corações, a companhia de boas mulheres, amigos verdadeiros, coisas de folgar e gentilezas a polir a bruteza dos espíritos, histórias bem contadas. O resto, o ouro, a prata, as demais riquezas, dão mais preocupações do que satisfação. Alegremos pois a nossos corações, comamos e bebamos — não vos ofendeis, esta noite é tudo por conta da minha casa —, contai-me vossas viagens, vossas aventuras alegres, depois, quando vos cansardes de nossa companhia (e envolveu no olhar as moças que tinha chamado para a mesa), escolhereis qual ou quais levar para o sobrado ou eu vos recomendarei aquelas que melhor vos servirão.

NOTA: texto e personagem são meus, que é como quem diz, criação minha. Faço este alerta por razões que um próximo post aclarará, espero. 

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