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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Contrariedades


Anos atrás, num quente Julho, pouco depois de a Leya ter comprado a Caminho, telefonei para saber se já havia resultados da apreciação de Entre Cós e Alpedriz. Preocupações desencontradas: eu a perguntar pelo romance, a pessoa do outro lado a lastimar-se da sua triste sorte, despedida minutos antes:
-- E agora, que vou fazer, com mais de cinquenta anos? Quem me dará trabalho, num café que seja, quando souberem que tenho esclerose múltipla?
Durante mais de uma hora ouvi os seus desabafos, incapaz de oferecer conforto válido, incomodado por lhe não poder valer, a ela que se debatia com o drama do desemprego e da luta pela subsistência...
A caminho da praia, só pensava em "Contrariedades", o poema em que Cesário Verde, enfurecido por recusas de publicação, se acalma ao pensar na vizinha:


Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes; 
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes 
E engoma para fora. 

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! 
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica. 
Lidando sempre! E deve conta à botica! 
Mal ganha para sopas... 
(...)

Perfeitamente. Vou findar sem azedume. 
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas, 
Conseguirei reler essas antigas rimas, 
Impressas em volume? 
(…)
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? 
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia? 
Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia... 
Que mundo! Coitadinha!


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