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quinta-feira, 22 de março de 2012

Roncadores

Muito se ronca por aí, de um roncar tão antigo que já o Padre Vieira o repreendeu:
ouvindo os roncadores e vendo o seu tamanho, tanto me moveram o riso como a ira. É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar? Se, com uma linha de coser e um alfinete torcido, vos pode pescar um aleijado, porque haveis de roncar tanto? Mas por isso mesmo roncais. Dizei-me: o espadarte porque não ronca? Porque, ordinariamente, quem tem muita espada, tem pouca língua. 
Pois na sua insignificância, estas roncas da terra tomam-se por espadartes, por baleias até, e roncam, roncam, com tal arrogância, tão ruidosamente, que de pouco nos serve tapar os ouvidos, mudar de canal, desligar até a televisão: a todo o lado chega o seu ronco insuportável, roncando como se tivessem o rei na barriga, sentindo-se tão donos da verdade que só a sua voz escutam embevecidos, maravilhados, tomando por inteligência de espírito e por beleza de ideias aquilo que para nós são grunhidos alarves e ignorantes.
Diz o Padre Vieira que "duas cousas há nos homens, que os costumam fazer roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder." Eu estou em crer que hoje se ronca sobretudo por poder, sem o qual o ronco que nos submerge como ruído de fundo se reduziria a desprezível chiadeira pífia; porque o roncar de saber, mais tolerável, parece-me, se acaso surge aqui ou ali, anda tão embrulhado em ideias feitas e chavões, tão falho de originalidade, de pensamentos próprios, que dificilmente se distingue da ignorância atroz e só casado com o poder logra fazer-se escutar.

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