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sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Melhores leituras de 2009

Não sou crítico, leio por prazer, e apenas o que me dá prazer. Dito isto, que já deixa antever que me estou nas tintas para os grandes livros do ano, para os encómios da crítica, graças aos quais tenho frequentemente enfiado grandes barretes, eis a minha selecção pessoal de livros 2009 --- um bom ano, que me deu a ler dois romances de excepção:
1. Jesusalém, de Mia Couto.
2. Myra, de Maria Velho da Costa.

Jesusalém é um prodígio de imaginação em que Mia Couto se revela um romancista que, mais do que escrever coisas giras, ambiciona produzir uma obra-prima. Daí a parcimónia neológica, cujas ocorrências são sempre lapidares (Por exemplo. Zaca, incumbido de matar a portuguesa, regressa sem o ter feito e desculpa-se: Desconsegui.). A ideia de acabar o Mundo e criar Jesusalém, onde Cristo seria descrucificado, o namoro do pai de Mwanito com a burra Jesibela, o diálogo entre a portuguesa e a amante moçambicana do marido, por exemplo, são momentos altos da literatura. Há ainda fragilidades, que Mia Couto seguramente eliminará em futuras obras: Mwanito, o fazedor de silêncios, nunca está calado, a aventura moçambicana do português é uma confusão quase tão grande como as confusões familiares, estilo Nouveau Roman, que dominam Venenos de Deus e ainda têm alguma proeminência na parte final deste extraordinário Jesusalém. O melhor romance que eu li em 2009.


Myra, a odisseia de uma adolescente russa em Portugal, Ulisses dos mil ardis, é uma narrativa linear que segue as deambulações da protagonista e do seu cão, às vezes Rambo. Mais do que as sucessivas peripécias, encontros e fugas, que nos vão dar a conhecer Kléber, a pintora, o cego e a sua cadela, o frade para quem a castidade é pecaminosa, o rapaz pardo e a sua casa inteligente, os marginais, a proxeneta brasileira e as vítimas da pedofilia, seduziu-me a sua linguagem nos limites da gramaticalidade, rigorosa, sugestiva, não raro elíptica (porquê? O melhor é lerem a obra). Diálogos extraordinários, técnica descritiva e narrativa invulgar, acção constante, tem como alguns dos momentos mais altos, para além dos acima referidos, os diálogos entre Myra e Rambo, que ocorrem com tal naturalidade que quem conversa com o seu cão, como eu faço, os aceita como verosímeis --- e daí aos diálogos entre Rambo e a gata siamesa é um pequeno passo, que damos quase sem nos apercebermos de que passámos para o campo do maravilhoso…
Desapreciei a ênfase na cultura e no requinte do rapaz pardo, não achei grande piada à casa inteligente, o episódio da tempestade é excessivo e inverosímil, e o car jacking final, com sequestro e homicídio, algo forçado…
Seguramente duas obras-primas da literatura de língua portuguesa, como o Tempo se encarregará de evidenciar.

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