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domingo, 30 de agosto de 2009

Alpedriz


"Pecar é o que certamente iremos fazer quando sairmos daqui: que ninguém pense que seguiremos certinhos rumo a casa; não, como dizia a minha avó, o que não lembra ao Diabo lembra às crianças, e lá reza o ditado que uma é um santinho, duas são dois diabinhos — para tantas juntas não conheço provérbio.
Desfilaremos em magote pelo centro de Alpedriz, parando provocadores no adro da Igreja, com a sua torre de banda desde o Terramoto, desafiaremos os cachopos que por lá se encontrarem e os mais valentes de nós mostrarão a sua bravura guerreando com eles, embrulhados em pó, lágrimas e raiva.
Então chegarão reforços indígenas, os duelos transformar-se-ão em batalha, das mãos e pés passar-se-á às pedradas e uma ou outra cabeça será partida — nada que o mercúrio não cure; nós, os dos Montes, em maior número, bateremos em retirada, que em casa sua cada um pode muito, e a guerra continuará pelas ladeiras acima, agora à distância, esquivando pedradas, devolvendo insultos, xingando e macaqueando...
Eis-nos, agora sim, de regresso aos Montes, triunfantes. Não se pense, contudo, que acabaram os disparates: ainda iremos bater as árvores de fruta e vinhas que ladeiam o caminho das Matas. Não é fome, é mais apetite, é mais vício, e pior do que o que roubamos é o que estragamos — uma dentada no Pêro de Agosto e atiramo-la à cara de outro que pagará na mesma moeda, que é como quem diz com outro pêro... Amanhã, o dono encontrará um terreiro de fruta estragada e rugirá, — Ah, se eu apanho esses ladrões! esquecendo que anos antes era ele que fazia o mesmo, é certo que com a fruta de outro dono...
Como uma praga, devastamos tudo por onde passamos, das maçãs às cenouras da tia Joaquina, que chorará desesperada ao ver a sua horta derrotada, o milho derrubado como se por lá tivesse passado texugo — tanto trabalho destruído num abrir e fechar de olhos, sem quê nem porquê! "
X. Retrato de Família, Entre Cós e Alpedriz
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